segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Vou te contar

Ok. Vou te contar.

O maior desafio em ser ator é atuar todos os dias na vida real, sempre fingindo estar bem por dentro e por fora. É muito difícil, mas até que eu me saio bem, tanto prova é que as pessoas ao meu redor sempre me dizem que aparento muito seguro, autoconfiante e inteligente. Quando na verdade, sou um desastre por dentro, um misto de sentimentos que nem eu mesmo sei dizer o que é, parece você com TPM. É sério, não estejas a rir-se.

Eu nem gosto de falar sobre isso, sinto que confessando que sou um fracasso acabo agindo como. Exceto com a minha psicóloga que é uma santa, me escuta e me entende, pela natureza da profissão. Só estou te dizendo tudo isso porque é minha amiga e confio em ti, além do que você olhando de fora me dá uma análise mais sóbria, que enxerga além de mim e pensa na medida.

Enfim, isso tudo veio a tona por que não deu certo lá com o tal garoto. Eu estava realmente estável emocionalmente e achei que precisava desse sentimento patético de paixonite pra me dar inspiração como artista e ajudar a compor os personagens nos filmes onde estou atuando. Você é diretora e sabe que não dá pra atuar sem ter sentimentos fidedignos, eles são como informações que precisam vir à tona em cena.

O problema é que os personagens ainda estão em mim, e eu os quero exorcizar o quanto antes. Seja como for, agora me veio essa paixão que eu criei e projetei no garoto. Não tive coragem de conversar com ele sobre tudo isso. Nós marcamos de sair no sábado, não deu certo e eu tomei isso como um sinal pra me afastar e assim evitar futuras frustrações e o drama - até porque eu não estou atuando em nenhum drama. Fui eu que projetei emoções nele, sabe, tudo sandice minha. Mas tá tudo certo, ele não me deve nada.

Outro detalhe importante é que eu só fui tão longe por que ele me disse na nossa primeira noite que tinha medo de transar comigo e depois eu sumir. Nunca tinha sido passivo, me dizia ele, e eu acreditei porque deu pra perceber, se é que você me entende. Eu me senti então, na obrigação de ser cavalheiro. Insisti em conhecê-lo melhor, ele achou ótimo. Acho que no fim ele só não queria se sentir usado, e corteja-lo foi bom, pro ego dele.

Pronto, vomitei tudo. Bem minha querida, não quero te tomar mais tempo, sei que você têm suas próprias adicções. Um beijo, boa noite.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Viajante

Um viajante e seu cavalo iam em uma estrada solitária, quando, passando por uma casa, o viajante parou onde uma família estava reunida esperando o parto de uma criança. Ele, solidarizando-se com a situação, escreveu algumas frases em um papel, dobrou, entregou a uma das senhoras dizendo que era uma importante oração sobre o parto da criança, porém, o bilhete SÓ DEVERIA SER lido horas depois do parto da criança. Antes de ir pediu também que lhe desse um pouco de comida e água para o cavalo. Com efeito, depois do viajante ir-se, leram o bilhete que dizia: "Comendo meu Cavalo e eu, pode parir quem quiser." Moral da história: Desde que o meu bairro seja seguro, o meu ônibus não pegue trânsito e eu vá sentado, tenha água e luz na minha casa FODA-SE TODO MUNDO!

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Apenas mais uma conversa


Depois de uma longa conversa sobre relacionamentos com um colega de faculdade e também meu amigo, este me perguntou por que exatamente depois de frustrações em relacionamentos e depressão, eu pareço tão bem resolvido e objetivo.
Eu começo a resposta parafraseando Machado de Assis: "Eu deixo-me estar entre o sábio e o poeta", e prossigo, parte dessa aparência de viver bem é porque hoje eu me conheço melhor do que antes, isso ajuda a tratar ou curar as feridas. Por outro lado, sou filho, irmão, aluno, empregado, amigo, ator etc, isto é, um sujeito não apenas sujeitante, mas sujeitado, então não dá pra se comportar como se fosse somente um. Além do que, claro, todos nós suprimimos o edi (do ego) e adotamos máscaras socialmente aceitáveis. Não sei se me fiz claro. Se isso gera sofrimento? Sim, ser sociável é cansativo e doloroso, as vezes. Mas máscaras, então, quando usadas de forma sensata e objetiva nos protege. Por exemplo, eu não posso ser extravagante com meus alunos - como normalmente sou com meus amigos. Por fim, ele me disse que pareço romântico e clássico, e na verdade sou, eu que nem sempre encontro pessoas adequadas para poder demonstrar. Ser romântico me promoveu bons resultados ao longo destes anos, de forma alguma isso é prejudicial. Se me retornarem com o amor me pago da tarefa, se não, passo a diante e Adeus.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Le Toi Du Moi

Então é isso aí que é gostar de alguém?

Não me parece coerente essa descrição. Na verdade, isso aí que você diz parece utópico, lunático e um bocado sem graça. Tudo isso aí é meramente satisfação de desejos, é como se você estivesse falando sobre ser carente e libidinoso, falta de sexo mesmo.

Olha, a minha perspectiva é outra. Não espero que você concorde, aliás, cada qual com o seu cada qual, mas isso aí que você tem não é um namoro, é uma chuva de verão.

Ter algo ou gostar de alguém é mostrar que você tem real intenção na vida da pessoa. Você não pede alguém em namoro, de repente você percebe que está tendo um relacionamento. Todos os dias você acorda e espera ter algo dela ao seu redor, uma gargalhada que saiu se descontrolando por lembrar-se de algo que passaram juntos, mesmo que tenha sido ontem à noite. Você convive com a pessoa, mesmo distante. Você mantém contato, envia uma mensagem contando sobre uma novidade importante, uma realização pessoal e espera ouvir uma resposta alegre com exaltação e sabe que vai acontecer.

Isso é fruto do apego, nasce do compartilhamento da história, de dois, não é sobre o seu individual, você sabe que pode contar com a pessoa, ela vai estar ali, porque já esteve antes.

Nesse contexto, é interessante notar que saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa. Saudade não é só a falta, é uma mistura de angústia com alegria, é uma dor, mas é algo bom de sentir, porque te faz recordar de momentos agradáveis e você quer viver aquilo de novo, agora com maior intensidade.

Daí as coisas ficam empatadas: você manda uma mensagem, a pessoa responde. Você diz que quer vê-la, ela também. Você canta uma música, e mesmo que ela não queira, completa a letra só pra te ver sorrir, daí já não é sobre gosto musical, é sobre te querer bem, te fazer bem, demonstrar.

Andando juntos, achando antes que não daria certo, mas dá, dá sim. É cumplicidade, é companheirismo, é vontade de viver melhor, de planejar momentos pra se guardar. É tudo isso e vontade de ficar pelado com a pessoa. Transar, fazer amor, foder, como você quiser. Mas é com aquela pessoa. É a língua na orelha mandando uma indireta "quero sacanagem com você", sem precisar dizer uma palavra. É o suspiro, o gemido que saiu sem conseguir controlar. É a vontade de ficar perto mesmo depois de gozar. É a vontade de olhar pra pessoa quando o assunto acaba.

É querer indicar um filme que você acabou de assistir, mas não pra qualquer um, pra aquela pessoa em específico, porque você quer a opinião dela, quer mostrar que tem algo seu ali e ela vai compreender. É mostrar a batida singular de uma música que só faz sentindo para os dois.

Se isso tudo é amor? Sei lá, não quero ficar parecendo romancista das 9. Preferiria ser a intercessão entre o sábio e o poeta.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

3 reias de Dom Quixote


Eu fiz os meus próprios sacrifícios.

Hoje cedo contei a meus irmãos que pra seguir a modéstia da família fui pelo segundo caminho que eu mais gostava profissionalmente. Ainda que de acordo, há uma dúvida que me sangra lentamente por dentro, me questionando com tamanho desespero gradual passando pelos dias, me empurrando contra a parede, me dizendo pra decidir se volto duas casas e abdico de me graduar, e ir aos palcos, como quis com igual intensidade antes. É, eu coloquei a minha satisfação pessoal em segundo plano.

Meu irmão gêmeo e minha irmã mais velha arrastaram os olhos e a cabeça de um lado pro outro quase que me condenando à perpétua falando pela moral e os bons costumes, esquecendo que eu sou velho demais pra receber ordens da família. Como se fosse possível me sentar e colocar de castigo. Eles são tradicionais demais, eu uma mistura de Dom Quixote de La Mancha e vadia dos anos 90.

Não me condeno, não mesmo. Me questiono apenas, se seria possível ser melhor do que esta forma triste e peçonhenta de alguns dias, o contraste entre o sábio e o poeta, do lirismo a arrogância intelectual.

Tá aí uma coisa que não entra de jeito nenhum na cabeça das pessoas, que eu não sou nem uma coisa, nem outra. Eu mesmo não me cerco de limites, ainda que eu admita que existem limites em mim mesmo, como eu já expliquei antes. Não estou reclamando, nem desanimado, só não me conformo com este dia, como se a culpa fosse do dia, e não minha.

Eu vivo dessas paisagens, sabe, pra não enlouquecer. É o lado bom da minha profissão, eu posso viajar sempre. Se fosse diferente disso, um dia iam abrir a porta do meu quarto e eu ia estar arranhando as paredes com as unhas e os dentes. Controlado agora, cheio de pudor, bom senso, e umas gotinhas mágicas pra ansiedade que a minha terapeuta receitou.

Fazendo a família de refém da minha sandice com um bocado de comédia, fazendo da minha própria existência limitada a sátira do dia-a-dia. Você me pergunta se eu sou hedonista, mas a resposta depende mais do seu juízo de valor. Nem poderia responder isso a alguém que não corre riscos, que prefere engolir do que expulsar os desejos, satisfazendo.

Esses são meus 5 minutinhos de loucura, instável emocionalmente, mas ponderado pra não me distanciar do real. Eu nem sei exatamente o que está me incomodando, é quase uma frustraçãozinha pra não deixar a vida acomodada, porque eu achei que quando estivéssemos juntos na montanha o beijo sairia natural. Não saiu. Pois é, eu vivi muito planejado. Juro que eu tentei recalcar o desejo, deixa-lo no inconsciente. É como um orgulho do passado, um presente pra você.

E as coisas acabaram assim, tudo tão normalzinho que eu até estranhei. Foram oito dias, dois Dom Quixote pelas estradas, praias compactuando com aquilo que você insistiu em dizer que estava ficando sério, acresce que ninguém tinha combinado compromisso. E um desfecho romântico pra essa história? Que pra cruzar a fronteira foram apenas três reais. Mas não se preocupe que eu não tardo. Eu nunca tardo. E das consequências pode deixar que eu mesmo cuido.

Mas nós somos melhores amigos, certo?

No chão.

Escarrado, gozado.

O chão é o limite do mundo, o máximo das ocasiões, a cama urgente ou aonde morrem todas as coisas.

Ontem à tarde estávamos sentados junto à mesa e agora estou caído no chão enquanto você atravessa a porta dizendo que não dá mais. Empurrou-me no chão pra fazer amor e saiu de fininho, como se quisesse lançar sobre mim uma culpa pela sua ausência. Não me matou, claro, mas resolveu se matar, anulando-se.

Que ninguém se engane com a minha posição inferior, estou caído mas quero mais luta. Não sou um homem acabado. Sou toda essa loucura sendo engolida pelas plantas carnívoras que nascem pelas frestas do taco e rasgam minha carne com uma fome delirante pra, depois, ocuparem todo o quarto numa exuberante savana que te espreita, em silêncio, caminhar pra fora do quarto com medo de amar e de se foder, uma psicologia tão econômica que se assemelha ao pensamento de uma boa senhora que não sai do condomínio fechado porque “a vida está muito perigosa”.

Toda sua lógica peca pela simples razão de estar vivo. Sua lógica foi criada para os mortos. Eu estou vivo, sou uma planta de raiz profunda.

E no meio dos seus passos calculados você tropeçou e assoprou um “eu te amo” quase entalado.

Eu respondi que te amo mais.

Então você virou a cara para o lado pra não ver um elefante no meio da kitnet.