segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Senescência

Os tempos vão passando e tudo vai se multiplicando. Não é mais como cair da bicicleta com apenas uma rodinha como apoio e levantar choramingando e correr para os braços do meu pai. Não é mais como apostar quem sobe primeiro na mangueira do quintal com o meu irmão gêmeo. É como sorrir no espelho do banheiro e sentir um ar pueril, porque ele só mostra o rosto totalmente esticado e sem nenhuma ruga como testemunho da experiência, verdadeiramente um moço audaz. Daí no espelho grande é ver o tamanho das minhas pernas e perceber a minha péssima postura.

Certa vez com dez anos de idade, estava prestes a dormir, mas fiquei me perguntando o que aconteceria se eu não acordasse. Provavelmente nada. Papai e mamãe e meia dúzia de vizinhos curiosos iriam ao meu enterro pra marcar presença, tomar aquele café com bolachinhas e dizer que se importavam. Talvez hoje já alguns mais sentissem saudade e ficassem nos bares dizendo que eu era "tão bonzinho, não merecia isso". Ainda teria um fiel amigo para recitar algumas palavras de alento aos demais. Bom amigo, mas eu não teria lhe deixado nem sequer um vintém para compensar-lhe a amizade.

Já se foram duas décadas e um ano. Eu não sinto que fiz algo na vida ou pela vida, na minha ou na dos outros. Eu tinha medo de que as coisas ficassem estranhas e você se fosse, como os anos sem deixar rastros, se transformasse apenas numa infinita memória e eu tivesse que dizer aos meus amigos que foi mais um caso e que está tudo bem. Eles sabem que o príncipe encantado não chega mesmo, quantos homens me amaram bem mais e melhor que você. Foi bonita aquela festa só falando em inglês com os europeus e especialmente com a Adele, Jhon e Carl. Tomando um goró, causando calos nas minhas mãos porque já era  quase de manhã e a segunda vez que as baquetas soavam Rehab e você lindamente dormia no sofá.

Ainda bem que a minha memória é nítida, porque a beleza é vã. Tomara que demore muito pra eu ficar igual a minha avó, sendo levada ao banheiro e tratada com indiferença por simplesmente ter ficado velha.

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