Porque eles condicionaram o amor deles
A eu ser uma outra pessoa que não eu
Que tipo de amor estabelece
Quem você vai ser
Por muitos anos eu me enganei com essa afirmação
Que pra ser amado tinha que ser igual ao hipócrita do meu irmão gêmeo
E a minha família me fez sentir errado
Por apenas ser quem eu sou
E eu senti tristeza e raiva
Por não poder demonstrar quem eu sou
Porque eu nasci assim
Nada vai mudar a minha essência
Nem suas regras, nem sua violência
Desde quando eu lembro de ter consciência da minha existência eu lembro de ser assim
De ser tratado o tempo inteiro de maneira desrespeitosa
Quando você é uma criança gay num ambiente hostil
Você aprende cedo que sua existência não é bem-vinda
E com isso, você passa a ser hipervigilante
Primeiro você se sente errado
E depois sente raiva das outras pessoas por te fazerem sentir errado
Por fazerem você sentir que não é apreciado
E fui dormir muitas vezes chorando
Implorando a Deus pra me mudar
Pra que Ele me fizesse ser como os outros
Apenas para mendigar amor e afeto
Não respeitaram os meus limites
Me traumatizaram de todas as formas possíveis
Com palavras, com gestos, com olhares
Era repreendido de todas as formas
E ninguém nunca se desculpou
Pelo menos não de maneira genuína
Ninguém nunca se solidarizou com a minha dor
Eu aprendi muito cedo a viver num estado eterno de alerta
Não podia me divertir como qualquer outra criança
Eu era muito chorão, muito afeminado, muito sensível
Não me ensinaram a entender minhas emoções
Daí eu me tornei essa pessoa fechada
Que leva as coisas muito a sério, muito rígidas
Pouco flexível
Eu lembro de cada grito, de cada palavra maldosa, maliciosa
Eu lembro de cada grosseria
De ser mal interpretado, incompreendido
Eu lembro de sentir que eu não cabia em espaço algum
Eu lembro de ser desajustado, de ser não recomendado a sociedade
Eu lembro das surras, dos castigos desmedidos, de me fazerem ficar sozinho e em silêncio pra refletir em como saindo dali
Eu tivesse que aceitar e fazer exatamente o que me mandavam fazer
Eu lembro dos tapas, socos, dos hematomas tão roxos que os meus colegas de sala conseguiam ver quando batia o sol na farda branca do colégio
Eu lembro da negligência
De todas as formas
Afetiva, financeira,
De ter que fazer a minha própria matrícula na escola
De não ter o que comer
Eu lembro da fome (e isso me assombra até hoje)
E hoje eu tô seguindo meu caminho
Sozinho
E eu tô progredindo
E eu tô fazendo sucesso
Meus amigos sabem mais sobre mim
Do que o meu sangue
Não é normal você não poder ser como você é
E talvez a minha família jamais reconheça que errou
E erra
E tá errada
E continua errando
E não sobrou nenhuma relação
Como se as relações com a minha família
Não tivessem se mantido unicamente porque eu fingi esses anos todos, trinta e dois, ser exatamente o que eles queriam que eu fosse
E agora eu não tolero mais
Mais nada que me avilte
Que me transpassa
Que me faça sentir vilipendiado
Eu não falo com meus pais
Eu não falo com cinco dos meus seis irmãos
Eu não sei como estão meus sobrinhos
Não conheço minhas cunhadas
Das dezenas de primos, só me sobrou uma
Dos tios, apenas duas pobres almas de quem eu ainda me apiedo
A família inteira bloqueada
Simplesmente porque me negam o que não é virtude, e sim obrigação: respeito
E eu nem sou um ladrão
Um criminoso
Uma pessoa ruim que faz mal aos outros
Eu não fiz nada de errado a ninguém
Sou condenado a viver exilado por amar
E os danos foram tão profundos que eu tenho depressão desde os dezessete
Nem aproveitei direito a minha adolescência
Estava preocupado demais tentando sobreviver
E ninguém percebeu que eu sou TDAH
Eu era sempre o preguiçoso
Vagabundo
Não ia chegar a lugar nenhum
E do TDAH se desenvolveu uma série de outros transtornos, a saber:
Depressão;
Ansiedade;
Pânico;
Agorafobia;
Estresse pós Traumático
E outros nomes complicados que o psicólogo tenta me fazer entender
Mas a minha resiliência é grande
E Deus é maior
A prova disso é que eu estou aqui em pé
Cansado
Mas de pé
E eu me formei
Eu tenho uma carreira sólida
E eu tenho um futuro bonito pela frente
Basta mais um pouquinho dessa resiliência
E dos quatro comprimidos que eu tomo diariamente
Eu só preciso de mais um tempo
Até essas lágrimas secarem
Até lá eu vou colocar minha cabeça no lugar
Eu vou me cuidar
Vou me amar
E vou amar todo mundo que me quer bem
Porque se o dia do perdão nunca chegar
Eu vou estar firme e estabelecido
E vou me olhar com carinho e compaixão
Sabendo que na medida eu fiz tudo pra me amar
Eu não amo mais os meus pais
E não me dói reconhecer isso
Nada é capaz de fazer doer mais
Do que já doeu antes
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