A noite começou como um esforço desesperado de André para salvar algo que já estava condenado. O jantar era uma tentativa de ânimo, um pretexto para arrancar um sorriso de Robert, mas desde a entrada até a sobremesa, tudo parecia um erro imperdoável para ele. O tempero, a música ambiente, o garçom que demorou trinta segundos a mais para trazer o vinho. "Eu avisei que esse restaurante era uma péssima ideia", dizia Robert, entre suspiros de impaciência e olhares de superioridade. André mastigava sua frustração em silêncio, tentando manter a calma, até que, enfim, decidiram ir embora.
A chuva começou no exato momento em que saíram. Uma tempestade súbita e feroz, daquelas que fazem as ruas borbulharem em segundos. Esperavam pelo carro de aplicativo sob a marquise de um prédio, mas Robert não tinha paciência para isso. "Que noite desgraçada", bufou, afastando-se da proteção da chuva e indo embora, encharcando-se deliberadamente na raiva que sentia.
André observou-o sumir na névoa aquosa da cidade, incapaz de correr atrás. O alívio veio tão rápido quanto a chuva. Foi quando um vulto surgiu ao lado dele. Um homem segurava a coleira de um labrador molhado, sorrindo como se aquela tempestade fosse só um detalhe.
— Não acredito! André? — disse o estranho.
Era Dotadão. Um antigo amigo virtual, famoso por atributos que faziam jus ao apelido. Nunca tinham se encontrado, mas ali estavam, lado a lado, sob a mesma tempestade.
— Você merece coisa melhor, sabia? — disse Dotadão, após algumas trocas de palavras sobre o jantar frustrado e o abandono tempestuoso de Robert.
— Nem me fala — respondeu André, rindo.
Dotadão inclinou-se, encarando-o de perto. O silêncio entre eles ficou denso. Então, sem hesitação, ele pegou o braço de André.
— Meu carro está há algumas quadras. Vem comigo.
Dentro do carro, a eletricidade entre os dois se intensificou. Mãos inquietas, beijos ávidos, os corpos querendo mais. Mas o vidro limpo era um problema.
— Sem insulfilme. Vai dar ruim — Dotadão murmurou, rindo contra os lábios de André.
E então começou a caça. Um lugar, qualquer lugar, onde pudessem consumar o desejo que crescia como labareda.
Uma parada de ônibus escura? Quase. Um homem surgiu do nada. Um quintal de portão entreaberto? Não contavam com os cachorros.
Foi quando encontraram a casa aberta. Entraram, sorrateiros. O sofá da sala parecia perfeito, mas então uma porta rangeu e uma idosa surgiu. Se encolheram atrás do móvel, os corações disparando. A mulher atravessou a sala e trancou a porta, sem notar a presença deles.
O desejo os chamava, a adrenalina pulsava. Mas antes que pudessem ceder, outra mulher apareceu na casa, gritando. "O que vocês estão fazendo aqui?!"
André, rápido como sempre, improvisou:
— A gente deu carona pra dona da casa, ela estava exausta. Só queríamos um guarda-chuva pra ir embora sem acordá-la.
A mulher hesitou, mas acabou cedendo um velho guarda-chuva. Saíram dali às pressas, rindo, dissimulando. Mas não durou muito. Assim que saíram, a senhora finalmente despertou e a amiga explicou a situação. A polícia foi chamada.
E a noite, que já tinha sido um desastre, tornou-se uma fuga frenética pelas ruas molhadas. Entraram em um supermercado fechado, foram descobertos pelo faxineiro. Abandonaram o carro e passaram a fugir a pé. Um zoológico? Ruído demais. Um shopping? Péssima ideia. Foram pegos na área de carga e descarga.
Na delegacia, explicaram. "Só fugíamos da chuva." Mas nada parecia convencer os policiais.
E foi assim que André e Dotadão acabaram dividindo uma cela na madrugada.
E então, finalmente, quando todas as luzes se apagaram, quando o mundo inteiro dormia, quando não havia mais fuga ou interrupção...
O desejo explodiu.
O barulho da chuva misturava-se às respirações ofegantes, aos sussurros roucos, aos corpos colados, movendo-se como se a cidade inteira não existisse. Dentro daquela cela, naquela madrugada, encontraram o que realmente buscavam a noite toda: a plenitude do desejo consumado, ardente, sem desculpas ou interrupções.
A tempestade lá fora rugia, mas dentro deles, um furacão maior se formava, transbordando na escuridão da cela, onde o prazer não conhecia limites.
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