quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Comercial de margarina

Sabe uma coisa que me deixa inseguro? Essa sua busca por uma família de comercial de margarina; essa coisa exacerbada de amor romântico, um desespero urgente, uma coisa inflamada e latente de que você precisa ter aquilo que não teve em casa, mas que via sua projeção seria a cura para todas as suas dores. Esse lugar aconchegante que acolhe a loucura e traz algum alento.

Eu sempre quis me afastar das amarras da família, dos dogmas, das ordens, da disciplina que não bate com a minha essência livre, de pluma sem plano de voo. Você, pelo contrário, precisa demais se enraizar nessa lógica para não se perder. E luta e luta, e foge de conflito. Como se qualquer família não tivesse conflitos. Livre de conflitos vive quem?

Outro dia, enquanto jantávamos, você soprava e dizia que não gostava do sabor da picância, e eu te expliquei que picância é dor e não sabor. E agora estou eu aqui, desde o dia da Chilli, tentando entender como toda essa sua busca pela satisfação sexual vai nos impactar. E aguardo inseguro e calado, repassando por todo o gosto amargo da ansiedade de ver o momento do partir. O momento que algum Carlos vai aparecer, explorar toda a sua imaturidade e te levar pelas mãos usando o mais primitivo de todos os instintos: tua fome.

Ouço tuas dicas, presto muita atenção nos detalhes que tu deixas sair como pequenos avisos, ora para não se comprometer, ora para deixar avisado. E exploro meus piores gatilhos, sofro, sangro e antecipo. Antecipo todo o sofrimento que ainda pode vir. E te vejo numa manhã de futuro com qualquer um tomando café enquanto se anestesia com ilusões, crendo que finalmente realizaste toda a tua fantasia. Viver de migalhas emocionais e autoengano te livrará da dor de encarar a dura e própria realidade.

E antecipo. Tu serás só mais um para mim, e eu para ti uma boa memória. Um trampolim para teus sonhos, uma escada, um servo. E dessa vez eu serei o espectador na Chilli, e não saborearei; restará só a dor.

Um comentário:

João Alba disse...
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