quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Eu, ele, o nosso.

Eu nunca teria ido até Mogi das Cruzes naquela noite fria de São Paulo, se não fosse para ouvir a verdade.

Nem sabia que teria de ir a São Paulo, antes de chegar a Belo Horizonte. Quando desembarquei e tive a notícia de que passaria a noite na maior cidade do país, imaginei o que de importante poderia fazer naquela noite única. Liguei para um amigo logo no aeroporto, o Luis - excelente companhia, mas apesar de ter aceitado sair para a noite, não conseguiu tomar um metrô até a Paulista, só conseguiria ir até o Brás, o que não adiantava de nada porque ninguém se arriscaria a andar sozinho.

Permaneci no hotel. Jantei com a Alia, deixa ela no 1035 e voltei para o 1034 do outro lado do corredor. Ainda não tinha me convencido a passar aquela noite no quarto. Lembrei que em Mogi das Cruzes tinha uma conversa importantíssima sobre o meu presente momento, mas só poderia ser pessoalmente. Queria ouvir o outro lado, as respostas certas sobre o meu próprio destino. Fiz uma ligação, aceitei o convite. Contente com a oportunidade única de entender o que me ocorria, comigo, com ele, com o nosso.

Celular, dinheiro e chave fui eu quem me lancei obstinado àquela noite. Tomei um táxi até a rodoviária, o motorista foi me dizendo que a cidade estava muito perigosa, que já mataram não sei quantos em apenas um mês, que o preço da gasolina está pela hora da morte... Eu só sei que foram os 15 minutos mais torturantes da minha vida - até porque não era minha primeira vez em São Paulo; Paulista, Oscar Freire e Augusta eram velhas conhecidas. Desci na rodoviária, agradeci ao motorista e a Deus por ter chegado.

Garoava naquela noite, minha echarpe úmida já não aquecia mais. Peguei o último ônibus, a viagem foi breve, mas entediante porque estava ansioso por respostas. Desci do ônibus, ele lá em pé me esperava. Era exatamente como eu imaginava. Fomos à sua casa. Entrei. Disse-me para não reparar a bagunça, tinha o pego de surpresa. Tirou o casaco, seu corpo muito magro, pele branca, muito delicado e afeminado, mas era bem resolvido, mostrava isso com atitude. Perguntou se queria algo para beber, eu queria café, precisava estar desperto para ouvir tudo.

Falamos sobre relacionamentos, eu sobre o meu, ele sobre seu último. Queria detalhes, estava obcecado. Ele me disse que seu último relacionamento terminou como começou, sem pé e nem cabeça. Não tinha conexão, era ilusão, recebia críticas e não tinha vontade de ser mais do que aquilo, gostava da profissão, era independente apesar de não ter muita instrução. Falou-me o quanto desagradável tinha sido alguns momentos, que tentou muito e perdeu a vontade, o ânimo. Foi ele quem se despediu do nosso, sem muita cerimônia, com um pequeno gosto de vingança. Seguiu em frente, tocou a vida sem se arrepender, sem olhar para trás.

A esta altura eu já estava chorando há 27 minutos ininterruptamente. Não tinha me preparado, era muita  realidade, muita sinceridade de alguém com tão pouco na vida que tinha aguentado tanto. Talvez o que tenha me assustado mais foi o fato de termos a mesma idade e tanta diferença em atitude. Não me enxugou as lágrimas, me permitiu o desabafo. Me deu água, disse para crescer mais, não permitir ser menos do que eu sou, que merecia cada vez mais. E apesar de ter minhas próprias opiniões, nunca tinha presenciado tanta frieza, era verdadeiramente bem resolvido, porque o senso comum ensina melhor do que qualquer conhecimento sistematizado. Voltei ao normal, falamos mais e rimos muito de outras coincidências. O cabelo bem cortado, mas parte no rosto, rosto muito fino, lábios muito finos, queria exibir sua excentricidade por ser gay e tudo soava muito amigável.

Fiquei muito grato, pelo simples fato de ter aberto sua vida, seu passado para que eu pudesse entender a mim e ao outro, ao que foi seu e agora meu. Já era 4 da manhã, bocejou e ainda não dissesse que estava cansado, que queria dormir, foi minha deixa para ir. Abracei-lhe forte, disse que contasse comigo, que mesmo do outro lado do país seríamos amigos.

Voltei ao Matiz em Guarulhos, tomei banho. Não me sentia cansado, estava deveras satisfeito. Porque depois de tudo que ouvi, não me sentia inútil, um ser banal, sentia-me corajoso, vontade de ser uma pessoa melhor, de também ser resiliente da mesma forma, ou mais ainda. Parecia então, que estava no caminho certo para continuar amadurecendo, ser mais paciente, menos controverso, melhor do que esta situação toda. A Alia me ligou, eram 7 horas, estava no quarto da frente dizendo para ir tomar café e voltar ao aeroporto.

Um detalhe intrigante sobre aquela noite foi que na porta do ônibus, ele perguntou meu signo. Eu respondi que era peixes, mas que não acreditava em signos. Ele fez uma cara assustada, em seguida murmurou alguns signos e sorriu. Eu precisei entrar no ônibus, mesmo sem entender nada. Acenei me despedindo pela janela e segui. Na próxima vez que eu for a São Paulo lhe pergunto o que isso significa, se é que significa.

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