terça-feira, 24 de abril de 2018

Velhaquice

Vou contar uma historinha sobre velhaquice. Aconteceu na minha família e só porque o cinismo é matéria de fato admoesto-vos que igualmente sinto um certo constrangimento em trazer isso a pública. O fino leitor sabe que nenhuma família é perfeita e gente metida a esperta tem em qualquer lugar. Aliás, é epidêmico. Ei-lo.

Em 2014 assim que terminei a graduação fui morar um tempinho no Rio de Janeiro com a minha prima que tinha sido criada comigo, como irmã. Eu à procura de emprego e ela sendo sustentada por um cara casado. Ele pagava o aluguel dela, comida, passeios, bebidas, o que ela quisesse. Ela, que tinha se apaixonado perdidamente por esse cara não respeitou o fato de que tinha uma terceira pessoa sendo lesada nessa relação.

O cara aparecia no kitnet dela, transava com ela, contava que era infeliz no casamento, que tinha se apaixonado por ela (minha prima), que largaria a esposa para ficar com ela. Mas de imediato não largou. Passou 2 anos nessa enrolação. Enquanto eu estava no Rio de Janeiro ouvia minha prima todos os dias se lamentando, desesperada chorando porque se não ficasse com esse homem morria. Eu, pouca coisa mais velho e mais experiente que ela, mas 100% mais equilibrado avisei que isso não estava certo. E fiz isso porque ela me pedia opinião. Detesto me meter na vida alheia sem ser convidado. E não que eu seja uma pessoa boazinha, é que eu acho um saco perder o meu tempo com a vida dos outros. Cada um com os seus problemas.

Avisei a ela que a esposa do cara iria sofrer se descobrisse, usei todos os argumentos possíveis pra mostrar o quão idiota é se envolver com homem casado. Acontece que ela estava decidida. Teimosa feito uma mula. Mas que eu falei que ia dar merda eu falei.

Nos momentos de fraqueza dela me ligava, dizia que tinha se cansado da relação com o cara casado. Que ele não tinha deixado a esposa ainda. Que ela na condição de amante estava o tempo toda insatisfeita, queria mais, queria ser apresentada a família dele, fazer parte do circulo de amizade. Não podia, obviamente.

Em 2016, ele que é militar, cansado da vida dupla pediu ao exército que lhe enviasse a outra cidade. Foi transferido para o interior do Acre (quem em sã consciência troca o Rio de Janeiro pelo interior do Acre só para disfarçar a vida dupla?). Deixou a esposa no Rio de Janeiro. Separou-se. Como prêmio para a esperta da minha prima, foi ela morar junto com ele. A felicidade estava completa. Alugaram uma casa grande, mobiliada, compraram um cachorro. O sexo era fenomenal - me conta ela hoje. A casa toda só para os dois amantes do prazer. Bem, isto até ele chegar em casa com a primeira marca de batom. A felicidade durou proporcionalmente até o dia em que ele não foi dormir em casa "porque ia sair com os amigos". Logo ela percebeu - contrariada, que tinha se tornado a esposa traída. Eles não transavam mais periodicamente. O telefone tocava ele se retirava para ir atender em privacidade. Gritava com ela. A ofendia. Já não se falavam mesmo morando juntos. Deitados na mesma cama. A felicidade dela teve o seu último suspiro na manhã em que ele pediu que ela fosse embora, que ele ia para uma missão do exército que duraria 8 meses, por isso ela deveria voltar a morar com sua mãe - minha tia, em Belém. Minha tia tinha sofrido muito com a situação, a família toda tentou colocar juízo na cabeça da minha prima. Mas diz o ditado que quando a formiga quer se perder ela cria azas.

O romance acabou. Eles não se falam mais. A casa alugada foi devolvida. O cachorro foi doado. Minha prima voltou a Belém para morar com nossa família. Todos a tratam com respeito, estão ajudando ela a se reerguer, a tomar um rumo na vida. Mas ninguém a prestigia. Não vai ter confete.

É no mínimo ilusão, ingenuidade a pessoa acreditar que pode ser feliz fazendo o mal a outra pessoa. Eu repito, você não pode colocar o seu prazer em detrimento da felicidade alheia. Para não falar que é no mínimo mal caratismo. E mal caratismo não é ensinado, apropriam-se.

A esposa do cara sofreu. E hoje está bem, recuperada, diretora de um grande hospital do Rio de Janeiro. A minha prima com 23 anos de idade não tem profissão, não tem sequer um curso técnico. E percebe hoje que a sua beleza se está esvaindo. E como todo castigo pra quem não quer prestar é pouco, ela ainda pegou algumas vezes infecção urinária. Não que eu festeje o sofrimento dela, pelo amor de Deus eu não sou a palmatória do mundo. Todo mundo erra e tem direito a segunda chance porque Deus tem a benevolência que eu gostaria de ter. Mas, como diria a poetiza Tati Quebra Barraco "E aí amiga, você que é comida e nunca assumida, já fez seu preventivo?".

Existe algum tipo de lei do retorno no universo. Poucas coisas na vida tem sentenças tão inevitáveis e recorrentes como esta. Absolutamente, vai rolar. É aquela velha máxima "aqui se faz aqui se paga". Particularmente eu não acredito que seja nenhum ser transcendental moralista, punitivo e vingativo que resolve essas paradas. Acho que quem decide fazer o mal em prol de sua felicidade é egoísta. E gente egoísta não se preocupa em crescer, em se aprimorar, vai ficando pra trás. E também não calcula quando vai dar um salto maior que as pernas. Uma hora dessas é pega com a calça arriada. Tem alguma coisa de A Vingança de Cunhã nisso.

Eu decreto e faço saber, karma is a bitch.

Ps: Ai como eu tô cronista.

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