Eu nunca teria ido até Mogi das Cruzes
naquela noite fria de São Paulo, se não fosse para ouvir a verdade.
Nem sabia que teria de ir a São Paulo,
antes de chegar a Belo Horizonte. Quando desembarquei e tive a notícia de que
passaria a noite na maior cidade do país, imaginei o que de importante poderia
fazer naquela noite única. Liguei para um amigo logo no aeroporto, o Luis -
excelente companhia, mas apesar de ter aceitado sair para a noite, não
conseguiu tomar um metrô até a Paulista, só conseguiria ir até o Brás, o que
não adiantava de nada porque ninguém se arriscaria a andar sozinho.
Permaneci no hotel. Jantei com a Alia,
deixa ela no 1035 e voltei para o 1034 do outro lado do corredor. Ainda não
tinha me convencido a passar aquela noite no quarto. Lembrei que em Mogi das
Cruzes tinha uma conversa importantíssima sobre o meu presente momento, mas só
poderia ser pessoalmente. Queria ouvir o outro lado, as respostas certas sobre
o meu próprio destino. Fiz uma ligação, aceitei o convite. Contente com a
oportunidade única de entender o que me ocorria, comigo, com ele, com o nosso.
Celular, dinheiro e chave fui eu quem me lancei
obstinado àquela noite. Tomei um táxi até a rodoviária, o motorista foi me
dizendo que a cidade estava muito perigosa, que já mataram não sei quantos em
apenas um mês, que o preço da gasolina está pela hora da morte... Eu só sei que
foram os 15 minutos mais torturantes da minha vida - até porque não era minha
primeira vez em São Paulo; Paulista, Oscar Freire e Augusta eram velhas
conhecidas. Desci na rodoviária, agradeci ao motorista e a Deus por ter
chegado.
Garoava naquela noite,
minha echarpe úmida já não aquecia mais. Peguei o último ônibus, a
viagem foi breve, mas entediante porque estava ansioso por respostas. Desci do
ônibus, ele lá em pé me esperava. Era exatamente como eu imaginava. Fomos à sua
casa. Entrei. Disse-me para não reparar a bagunça, tinha o pego de surpresa.
Tirou o casaco, seu corpo muito magro, pele branca, muito delicado e afeminado,
mas era bem resolvido, mostrava isso com atitude. Perguntou se queria algo para
beber, eu queria café, precisava estar desperto para ouvir tudo.
Falamos sobre relacionamentos, eu sobre o
meu, ele sobre seu último. Queria detalhes, estava obcecado. Ele me disse que
seu último relacionamento terminou como começou, sem pé e nem cabeça. Não tinha
conexão, era ilusão, recebia críticas e não tinha vontade de ser mais do que aquilo, gostava da profissão, era independente apesar de não ter muita
instrução. Falou-me o quanto desagradável tinha sido alguns momentos, que
tentou muito e perdeu a vontade, o ânimo. Foi ele quem se despediu do nosso, sem muita
cerimônia, com um pequeno gosto de vingança. Seguiu em frente, tocou a vida sem se arrepender, sem olhar para trás.
A esta altura eu já estava chorando há 27
minutos ininterruptamente. Não tinha me preparado, era muita realidade, muita sinceridade de alguém com tão pouco na vida que tinha aguentado tanto. Talvez o que tenha me assustado mais foi o fato de termos a mesma idade e tanta diferença em atitude. Não me enxugou as lágrimas, me permitiu o
desabafo. Me deu água, disse para crescer mais, não permitir ser menos do que eu
sou, que merecia cada vez mais. E apesar de ter minhas próprias opiniões, nunca
tinha presenciado tanta frieza, era verdadeiramente bem resolvido, porque o
senso comum ensina melhor do que qualquer conhecimento sistematizado. Voltei ao
normal, falamos mais e rimos muito de outras coincidências. O cabelo bem
cortado, mas parte no rosto, rosto muito fino, lábios muito finos, queria
exibir sua excentricidade por ser gay e tudo soava muito amigável.
Fiquei muito grato, pelo simples fato de
ter aberto sua vida, seu passado para que eu pudesse entender a mim e ao outro,
ao que foi seu e agora meu. Já era 4 da manhã, bocejou e ainda não dissesse que
estava cansado, que queria dormir, foi minha deixa para ir. Abracei-lhe forte, disse
que contasse comigo, que mesmo do outro lado do país seríamos amigos.
Voltei ao Matiz em Guarulhos, tomei banho.
Não me sentia cansado, estava deveras satisfeito. Porque depois de tudo que
ouvi, não me sentia inútil, um ser banal, sentia-me corajoso, vontade de ser
uma pessoa melhor, de também ser resiliente da mesma forma, ou mais ainda.
Parecia então, que estava no caminho certo para continuar amadurecendo, ser
mais paciente, menos controverso, melhor do que esta situação toda. A Alia me
ligou, eram 7 horas, estava no quarto da frente dizendo para ir tomar café e
voltar ao aeroporto.
Um detalhe intrigante sobre aquela noite
foi que na porta do ônibus, ele perguntou meu signo. Eu respondi que era
peixes, mas que não acreditava em signos. Ele fez uma cara assustada, em
seguida murmurou alguns signos e sorriu. Eu precisei entrar no ônibus, mesmo
sem entender nada. Acenei me despedindo pela janela e segui. Na próxima vez que
eu for a São Paulo lhe pergunto o que isso significa, se é que significa.
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