segunda-feira, 18 de março de 2013

A Linha

Os meus pais não são pessoas extremamente rígidas, mas tem o seu rigor e suas particularidades. O meu pai é mais desligado, metido a moderno. A minha mãe é mais flexível, muito inteligente, viva e aprendeu muito com o senso comum.

Eu reparei que permanentemente conquisto as pessoas com a delicadeza, atenção e carinho. Porque, aliás, todo mundo gosta da boa educação doméstica. Mesmo tendo sido criado em uma cidade grande e violenta, eu me mantive assim.

As pessoas ao redor da minha criação eram amáveis, simples, aconchegantes, bons ouvintes, apesar do tradicionalismo barato e o conservadorismo alienante fruto de gerações reprimidas e moldadas pelo silêncio e distorção entre liberdade e libertinagem.

Quando eu era criança, a minha casa tinha uma mangueira. Que me dava não somente frutos, sombra e galhos para subir. Era um porto seguro, um salvo conduto, a anistia de todos os pesadelos construídos pela repressão. Porque não era permitido me conhecer, ainda mais sexualmente.

No verão, na adolescência, eu tinha praia, pra aliviar a tensão, o tesão. O vento, o sol, o som das marés sempre me acalmavam. E foi tudo isso que me construiu. A praia tirou a rigidez da minha personalidade. Me fez menos vil e mesquinho.

Hoje, eu me sinto como a pipa pairando lá no céu. Tão leve, tão solto, tão livre. Preso apenas por uma linha me puxando sempre de volta. Não me impedindo de ir longe, de seguir os ventos bons, a linha é de fato para não deixar eu me perder, para não esquecer o rumo.

Me perguntaram se eu sou mesmo extrovertido. Eu? Não. Eu sou bastante introvertido. O problema é que na cabeça das outras pessoas, se você não é uma coisa é outra. Não há meio termo, o controverso não é aceito. A lógica é racional. Repito, na cabeça da maioria.

Na verdade a minha profissão, a minha função social não me permite ser diferente. Porque eu preciso tornar público o que eu penso, e ainda preciso lidar todos os dias com diferentes pessoas nos demais ambientes. E parecer alegre, falante e extravagante quase que se condicionou a realidade.

O que eu penso não pode ser dito com frequência. As pessoas nunca vão entender quem eu sou, e seria até covardia pedir-lhes isso. Eu sou fruto da minha história. Gerações inteiras não vão me entender. Por isso, a personificação do meu eu é bem diferente da manifestação.

Eu comigo, sou calado, triste, teimoso e crítico. Talvez por isso nesta última viagem me perguntaram tanto porque eu estava tão pensativo. Eles nunca passaram tanto tempo confinados comigo. Foram respeitosos, claro, mas achando que eu estava doente. Equivocados, mas sem culpa.

Os meus amores me querem inteiro, em qualquer posição, qualquer posicionamento. Ali não tinha paz, mas tinha meus livros. Aqui não tem meus livros, mas tem paz. Entre duas casas minha história nunca vai começar.

Aqui no Rio Madeira a vida é mais racionalizada, sem supérfluos. Sem tantas prioridades, mas é calma e plena. É tanto silêncio que a minha alma grita por essa liberdade, porque desde o começo do ano eu estou me afastando de tudo que me faz mal, que me atrasa, que não compreende a minha existência.

Minha particular existência. Estou novamente na minha tranquilidade, no meu momento. E é difícil explicar a alguém o quanto isso me agrada e o quanto me completa.

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