sexta-feira, 8 de março de 2013

A primavera da vida

Em janeiro eu tinha feito teste de HIV. Por precaução, para me cuidar, e porque quem tem vida sexual ativa tem mesmo que fazer este e outros tantos testes há cada seis meses. Eu já tinha feito o teste rápido, aquele que fura o dedo e o resultado sai em poucas horas. Deu negativo, mas sabe como é, um exame só não tira dúvidas, por isso fiz um exame completo que a psicóloga pediu, esse verificava até se eu tinha vergonha na cara, mas o resultado demorava pelo menos um mês.

Confesso que na primeira vez que fui ao hospital fiquei bastante nervoso e imaginando a morte ao pé da minha cama. Imaginava ter que contar aos meus pais, ao meu melhor amigo, e aquela imagem era deveras assustadora. Segue que eu nem mesmo poderia imaginar o resultado, mas na minha mente hipocondríaca já se passava até fazer dieta para sempre. Depois de muito ler a respeito da doença, concordei em ir fazer o teste indiferente ao resultado.

Eu não acho que eu preciso expor a minha vida pessoal desta forma, mas alguém tem que servir de exemplo e por isso eu estou contando como foi. Na triagem eu fui com um amigo, ficamos rindo de nervosismo e imaginando nosso futuro, na segunda vez eu fui sozinho e conheci um carinha muito boa pinta - o Jhonny, que não estava menos nervoso do que eu, mas sabia disfarçar melhor. Apesar de está sentado bem a minha frente, ele arrastava o olhar do chão para o meu rosto, do meu rosto para a parede.

Nem demorou, conversamos e começamos a criar afinidade pra tentar fugir daquele espaço pavoroso que é a sala de espera. A psicóloga nos atendeu, encaminhou para a enfermeira coletar o material e saímos de lá andando, fugindo de ônibus, táxi e tudo que desse claustrofobia. Na terceira vez - esta semana, para pegar o resultado eu fui sozinho. Já não tinha medo, nem euforia, fui de uma estranha macheza que só me impulsionava para ir, fosse o que fosse.

A demora para ver o resultado me incomodava, mas vi uma excelente oportunidade para refletir sobre o significado daquela situação. Porque ter vida sexual ativa na minha idade é uma dádiva, uma benção, mas foi esta condição que me pôs naquele ambiente. Arrastei o olho discretamente para todos. Vi o grupo residente de universitários da UniNilton Lins, os burgueses incompetentes que não passaram em universidade pública. A jovem de jaleco da pública com o celular nas mãos atualizando seu status, mais preocupada em ser medíocre do que atender aos enfermos.

Eu entrei no consultório, a psicóloga me perguntou se eu estava assustado, se eu transava sem camisinha, se eu tinha parceiro fixo e aquele questionamento com cara de senso do IBGE já estava me entediando. Perguntei se tinha dado positivo o exame do casal segurando as mãos em recíproca, os que entraram no consultório e saíram de cabeças baixa. O adolescente que saiu com um sorriso estampado. Ela riu e disse que não ia responder por ética, enquanto rolava o mouse atrás do meu resultado.

Me lembrei mesmo do rapaz na sala de espera que estava ao meu lado. Tinha um rosto angelical, mas todo vermelho a ponto de desmoronar. Não se controlou, chorou. Chorou muito ansioso pelos minutos seguintes, velando seu próprio destino, sem nem saber o que viria. Este me marcou muito, sua expressão ficou impregnada, porque eu que já estive na mesma situação, me achava agora ridículo por temer a morte, acresce que nem de longe ela havia sido anunciada. De maneira sádica, aquilo não me assustava mais. Pensei em ligar pro Jhonny, mas ele devia está trabalhando e eu nem sabia o resultado do exame do garoto.

"Deu negativo. Deu tudo negativo, olha aqui na tela." - Me avisou a psicóloga, me tirando do pesadelo. Eu ri. Me veio um sorriso sádico, porque a situação toda era sádica, como já expliquei antes. Me achei sortudo e imaginei está ganhando uma segunda chance, a própria psicóloga riu e disse: "Te orienta!". Quase ficamos brother. Tirei o sorriso e saí do consultório todo sério. Todos me olhando na sala de espera, realmente esperando algum sentimento esboçado no meu rosto e não rolou. Um lugar cheio de pessoas vazias.

A minha saúde está bem, o meu futuro está bem, as camisinhas estão no bolso, a vergonha está na cara.  O que significa que logo mais estamos aí. E depois estamos aí de novo. Na pista. Que é pra não dizer que jogar com a vida é excitante, sabendo que o resultado de todo este desespero é para provar que estamos mesmo vivos.

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